quinta-feira, 10 de julho de 2008

A falta de educação financeira

07/07/2008
Dados levantados pela Associação Comercial de São Paulo não mentem: cerca de 20% dos 93 milhões de cartões de crédito que circulam no Brasil pertencem a quem tem entre 18 e 29 anos. O problema é que um terço deles está com o nome sujo na praça. Já o número de jovens com menos de 20 anos com o nome do Serviço de Proteção ao Crédito cresceu 350% entre 2002 e 2007, passando de 2% para 7%.
Razões para tudo isso não faltam: a facilidade de acesso ao crédito é a principal. Qualquer pessoa hoje pode abrir uma conta com R$5 e ganhar crédito nos bancos. O estímulo ao consumo também é fator fundamental: nunca tantos puderam comprar tanto pagando tão pouco por mês.
Como nossos pais
Mas existe uma razão, mais sutil, que não aparece nas estatísticas: o mau exemplo ou a falta de orientação dos pais, que não sabem ou não conseguem ensinar seus filhos a terem uma relação racional com o dinheiro.
Para Cássia D'Aquino, consultora de educação financeira, o excesso de crédito e a falta de clareza sobre os juros no cartão e no cheque especial contribuem para o descontrole, mas defende que o problema não está no crédito, mas no modo como se faz uso dele. "O exemplo dos pais é muito forte na maneira como os filhos se relacionam com o dinheiro. A geração que cresceu sob a pressão da inflação descontrolada tem mais dificuldades de lidar com o planejamento financeiro do que a garotada que cresceu na estabilidade do real." Segundo ela, é preciso que os pais tenham discernimento para mostrar aos filhos que é possível ter uma convivência saudável com as finanças.
Atualmente, é comum os filhos ficarem sob a guarida dos pais até bem tarde. Filhos com mais de 30 anos ainda moram na casa paterna, mesmo trabalhando e ganhando seu próprio dinheiro. E, ainda assim, não conseguem poupar. O que está acontecendo?
Cássia considera esse fenômeno fascinante, e que está preocupando especialistas de vários países como Inglaterra e Itália, onde existe até um nome para isso, os "mamones", aqueles que não saem da casa dos pais. "Antigamente era natural o filho crescer e querer sair de casa, voar com as próprias asas. Hoje, não. Se sai de casa só para casar. Ou então, querem sair para uma casa própria, e com o carro do ano. Essa expectativa absurda de que tudo tem de ser perfeito dificulta essa transição." Ela percebe que os próprios pais não estimulam a independência. Mantêm os filhos por perto, oferecem uma vida estruturada, cheia de facilidades e mordomias, nas quais não é cobrada qualquer participação nas despesas.
"Há um aspecto simbólico nisso. Contribuir financeiramente com os gastos da casa é você reconhecer-se como adulto. Quando isso não acontece, fica mais difícil para esse jovem perceber-se responsável pela sua própria vida", explica Cássia.
Cabe aos pais refletirem sobre isso, e procurarem mostrar que o filho deve trilhar seu próprio caminho. "Começar é sempre difícil, e os pais podem e devem oferecer um suporte para os primeiros tempos. Mas sempre com o pé na realidade."

Independência ou... dívidas
A regra de ouro da educação financeira é aprender a poupar. "Ensinar os filhos, desde pequenos, a guardar um dinheirinho, sempre explicando que aquela poupança tem um objetivo -- seja para comprar um brinquedo ou fazer uma viagem -- é uma boa maneira de começar".
A mesada é o mecanismo mais comum para ensinar a criança a lidar com dinheiro. Até os 11 anos, ela não tem muita noção de mês, por isso a especialista aconselha dar uma quantia por semana. É preciso ainda orientar a criança a gastar no que ela realmente precisa, e explicar as vantagens de se reservar uma parte da quantia para uma poupança. É necessário também mostrar, de maneira clara, as consequências de um mau uso do dinheiro. "Isso fará com que a criança possa ir se tornando hábil na construção de uma competência nas escolhas que vai fazer para gastar seu dinheiro. E vai criando também uma certa independência. E independência significa ser mais livre. Quando você tem uma boa poupança, ajuda até na hora de escolher uma profissão, no sentido de que pode usar o dinheiro para investir numa qualificação ou como uma reserva num processo de troca de emprego. Dá mais tranqüilidade".
Uma boa educação financeira, segundo Cássia, traz resultados positivos em outras áreas da vida da criança: "Como lidar com dinheiro implica em fazer escolhas, algumas pesquisas já indicam que, ainda na adolescência, esse jovem tende a ter um desempenho escolar melhor e a se manter afastado das drogas. Porque já aprendeu que cada escolha implica uma conseqüência. Há ótimas chances de esse jovem também fazer escolhas profissionais bem-sucedidas, pois terá objetivos mais claros com relação ao seu futuro."

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